30.6.08

Corre a lenda urbana de uma menina que pediu uma permanente e saiu do salão chamuscada. Claro, o quente (com trocadilho) é a chapinha, a escova. Quando alguém aparece no salão pedindo essa coisa esdrúxula que ninguém pede (caracóis na cabeça), é desentocar o equipamento do fundo do armário e procurar alguém que se lembre minimamente do procedimento... e o resultado é um desastre.
Desde que minha cabeleireira de confiança morreu, quando eu tinha quinze anos, tenho entrado em salões aleatórios e tentado várias táticas (inclusive usar auxílios visuais) para convencê-los/ aliciá-los/ fazê-los compreender o que eu quero do meu cabelo.
Os cabeleireiros não sabem mais trabalhar com caracóis. Tudo o que for além de fio reto em cabelo enrolado está além da capacidade da maioria deles. Se você quer aproveitar sua juba para fazer um corte picotado, eles agem como se soubessem o que fazer, mas no fundo torcem o nariz para sua falta de praticidade e consideração em não fazer chapinha - e fazem tudo errado.
Tinha também o agravante de eu proibi-los de fazer escova depois do corte. Cabelo encaracolado recém-cortado dá trabalho para sair do salão minimamente aceitável, com borrifos de produtos fedorentos, musse, e uso de secador quase proibido. A maioria dos cabeleireiros já se volta para o secador e a escova ao final do corte, no piloto automático. Quando eu via o indivíduo alcançando a temível máquina-tamanduá, já ia logo gritando "ALTO LÁ".
Nada disso contribuía para o bom relacionamento entre nós dois, especialmente quando eu chegava em casa e via, por exemplo, que o poltrão não tinha picotado a parte de trás com medo de "dar volume" - precisamente o meu mais profundo desejo. Ou que não deixou a parte da frente comprida o suficiente, por desconhecer, oh deus, que cabelos podem se enovelar bastante depois de secos.
Total fracasso até este sábado, quando encontrei uma profissional que compreendia o tao dos caracóis. Para se ter uma idéia, ela não tinha o cabelo alisado à força de química braba de todas as outras - a tentação é grande, cercada por todos aqueles produtos grátis. Mas ela era uma grande partidária dos caracóis, tinha cabelos encaracolados e um corte bastante parecido com o que eu queria para mim. Saiu bom, é claro. Finalmente.


E aqui um trecho do A feia noite:
"Além de basto o cabelo era compridíssimo, de afogar as costas, quase sempre meio-preso com austereza. Solto, se esparramaria ao vento feito um anacronismo. Multinacionais de cosméticos processá-lo-iam por danos à imagem. Aquele cabelo era uma ofensa, um impudor oitentista, e precisava ser contido. De forma que hoje ele estava curto, abaulado, quase inofensivo. Iscas, não tentáculos. "

24.6.08

No meu tempo não tinha isso

No meu tempo de Aliança Francesa tínhamos de nos virar com Françoise Hardy, Edith Piaf e, por Deus, Vanessa Paradis com Jou le taxi - a versão original de Vou de táxi, pra quem não sabe. Hoje que temos isso e isso, já aprendi francês. Bof.

18.6.08

Ficção x autobiografia - a missão

Tem uns reality shows que você assiste e com um pouco de traquejo já pensa, hum, obviamente é tudo armado. Se o cara medíocre pudesse perceber isso (mas não percebe, por ser medíocre), isso tiraria para ele o gosto de assistir ao reality show. Para mim, o programa fica até melhor. "Armar tudo" dá a maior trabalheira - e eu valorizo esse trabalho. Vivemos num tempo de relatividades, não tem mais verdades absolutas. Portanto, aprovo a mentira, porque se a contam a você, estão dizendo "eu me importo". Ficcionalizar um acontecimento quer dizer: "não vou entregar a realidade toda desarrumada para vocês, vou dar um trato antes, para ficar legal". É uma gentileza - em oposição ao exibicionismo de contar a verdade nua. Sendo que até quem conta a "verdade" não conta tudo. Seleciona os fatos - geralmente os que o colocam como pessoa exemplar, corajoso, ou romanticamente-atormentado-mas-não-patético (o que é igual a emo). Então também mente. E mente mal, e em benefício exclusivamente próprio. Nem o valor de uma "verdade" isso tem...
O alter ego é um instrumento excelente. O problema é quando vira idem ego. Quer dizer, o bacana, pelo menos para o leitor que não te conhece pessoalmente, é você explorar uma versão alternativa de você, que pegou uma ou mais veredas que você não pegou -- e não contar aquilo que você fez no verão passado. Pouca gente entendeu que foi isso que fiz em A feia noite: sim, Maria Luiza era bochechuda, branquela e de cabelos pretos encaracolados como eu, mas era fera em matemática, não em português; e não teve pai; e nunca se preocupou com religião... o que resultou numa forma de pensar e de agir bastante diversa da minha.
Quando falo que ler um genuíno alter ego é bacana também pros leitores que não te conhecem pessoalmente, refiro-me ao velho modelo do escritor distante, isolado na torre de marfim, sensível demais para se submeter aos inputs caóticos de um dia na rua -- que não conhece o seu leitor. Aprovo essa falta de badalação veementemente, pelo menos durante o expediente. Não que eu seja tradicionalista: acatei feliz a torre de marfim portátil, com a qual posso descer à rua para coletar material e cortar as entradas inoportunas ao meu bel-prazer, para depois voltar para a torre portátil, sentada num banco de praça, e escrever ali mesmo -- com conexão wireless, se bobear.
O que as novas tecnologias fizeram com a relação autor-leitor, no entanto, foi outra coisa. Hoje os leitores têm plenas chances de conhecer os autores pessoalmente, especialmente o autobiográfico, que nunca vai admitir isso, mas pôs sua vida no papel para ser procurado e aumentar sua influência/ proeminência sobre os que já conhece. Isso também funciona para fotologgers, grafiteiros, grupos musicais etc. É uma nova dinâmica, um New Deal -- você me paga pau e eu cresço, cagando pra você. Tem um nicho que curte. Mas hoje, pelo menos na literatura, há muito autor dominador pra pouco leitor submisso. Porque é sempre limitado o número de pessoas que o autor pode conhecer...

16.6.08

Trabalhando. Fiquem com um pouco do "recheio" do conto do Clóvis (ainda sem nome definido):

São seis horas da tarde. Estou no meio de uma festa sobre a Lagoa, na cobertura de uma família amiga da nossa. É uma família famosa, de esquerda. A filha do casal anfitrião, Larissa, tem a minha idade. Foi por isso que Cristina me trouxe: como que para brincar com ela. Ela ficou um pouco, nos falamos, depois desceu porque ia sair com o namorado.
Não sei se circulo ou fico parado. Queria ir para a varanda, mas está cheia. Minha irmã mistura-se bem a uma rodinha de profissionais liberais um pouco mais velhos, perto da estante, fora o tempo dedicado a puxar o saco da anfitriã. Não quero ficar perto dela. Não quero nem estar aqui. Dá para sentir a estagnação no ambiente. Dezenas de explanadores de meia-idade, vampirizando doses e doses do mais puro escocês, cortejam as “ninfetas” (de trinta anos). Suas esposas, cornas contumazes, fazem vista grossa e levantam tópicos que as façam parecer inteligentes e atualizadas (mas não pretensiosas; isso fica a cargo dos maridões). Há crianças também, correndo pelo meio das pernas dos adultos, as mais velhas já de batom e bolsinha plástica que não largam por nada nesse mundo.
(...)
Saio, vou descendo a ladeira, outra vez fantasio com o LARISSA E LINDA rabiscado no cimento, para depois me dar conta (outra vez) que só não tinham posto o acento no E. A linha do horizonte está cor de iluminador rosa. Fazendo o trajeto sem pressa, mãos no bolso, posso finalmente apreciar a vista direito. É de uma beleza doída (doida, não; veja só como acentos importam). Quando chego no pé da ladeira vejo a Árvore de Natal trocando as luzes, toda colorida; me sinto bem, longe da muvuca, do povaréu alucinado disputando lugar na muretinha. Do terreno alto dá para ver bem melhor. Não que eles não saibam: desdenham, bom é ficar o mais perto possível, envesgar com o nariz na TV. Paro junto à placa da esquina e fico olhando, mais o céu do que a Árvore. Podia sentar ali mas não sento, percorro os poucos metros até o ponto de ônibus e pego o 157.



Este conto deve fazer parte do meu próximo livro, Amostragem complexa. Até agora só expus nesse blog este e outro conto, ambos de adolescente em primeira pessoa (embora de personalidades muito diferentes); mas tem de tudo nesse livro, penso que vou até ter de cortar alguma coisa para caber. Penso em botar no convite do lançamento (ou aqui, um pouco antes), um mosaico com trechos de cada conto, pois assim algum há de agradar a alguém...

13.6.08

Barbosa


O que me impede de deixar o Brasil até hoje são as seguintes coisas: 1) medo do inverno 2) medo de trabalhar como lava-pratos num diner e 3 e principalmente) o Barbosa. Seria muito ruim começar a repetir o final das frases das pessoas com voz de véio e elas não entenderem que estou imitando o Barbosa.
Até tempos atrás não tinha feito grandes amigos aqui, então porque não mudar para um lugar em que até o lixeiro que me cantou na rua me pareceu mais simpático? Por causa do Barbosa, é claro, óbvio, sintético. Porque toda vez que vem um gringo para cá, um gringo assim, da minha idade, eu consigo conversar com ele sem ouvir nada idiota por um longo tempo. Aconteceu com as sobrinhas suecas do meu padrasto e agora com a estagiária francesa do trabalho da minha mãe, a Floriane. Ela ficou toda feliz quando soube que o Daft Punk foi o show da minha vida e perguntou se eu conhecia o Justice (claro!). E de literatura?, perguntou ela. Citei alguns e ela me recomendou Stephen Zweig, seu preferido - que eu nunca li.
Eu fico tonta ouvindo essas coisas. Tenho vontade de me despachar na mesma hora para qualquer país desenvolvido via Sedex (a ECT é mais ou menos confiável). Eu sou uma estranha no ninho aqui. Mas lá, pra quem eu imitaria o Barbosa?

10.6.08

Coisas que não entendo na informática (I)

Por que as empresas fuleiras sempre querem instalar seu único programa que fez sucesso dentro de uma pasta com seu nome? Como se esse programa fosse ser o primeiro de uma série da mesma empresa (até parece).
Digamos por exemplo que a FundodeQuintal Enterprises tenha feito um detector de malware muito bom; o instalador vai querer colocar o programa em C:\Arquivos de Programas\ FundodeQuintal Enterprises\ Malware Detector. Não falha!
Quer dizer, sendo uma empresa grande e estabelecida como a Adobe, até faz sentido: você vai querer ter o Adobe Reader, o Adobe Photoshop, o Adobe InDesign e se bobear até o Distiller. Agora, as pequenas... só pode ser por pretensão, megalomania, wishful thinking, "um dia seremos maiores que a Adobe". Ah, é, certamente.
épico-é-pouco

Humm. Pra quem não sabe, gosto de ópera. E o Muse é um conjunto* que mistura rock, eletrônica e ópera - três coisas que eu gosto. Quando não é ópera é piano: Butterflies and Hurricanes tem até um pastiche do Liszt (tudo bem, é um pastiche amigo). E eles vêm ao Rio em julho.
Só estou esperando encolhidinha o golpe que vai ser o preço do ingresso.


* sabe, nunca gostei de falar "banda"

8.6.08

Utena é um anime/mangá/longa-metragem sobre uma garota de cabelo rosa tutti-frutti que decide seguir seu príncipe de uma forma pouco ortodoxa: vestindo-se e agindo como ele. Utena inspirou alguns dos melhores posts desse blog (eu acho). E Utena acaba de chegar às bancas brasileiras.

Achou fofo e pink demais? É que é um mangá voltado para meninas, um shoujo.

Relembrando alguns dos posts inspirados por Utena:

- um lugar que parece saído de um anime shoujo
- crítica do longa-metragem
- elucubrações sobre ficção, realidade e esquizofrenia (com vídeo de Utena no final)

2.6.08

Preaching to the converted

"Gente boa" do Globo, ontem:
"Autores, pensadores e pesquisadores - Gilberto Braga, Esther Hamburger, Heloisa Buarque de Hollanda e por aí vai - participarão de encontros a partir de junho, no CCBB, para debater um único assunto: novelas. "Só convidamos intelectuais que assumem que não perdem um capítulo de novela. Nada de gente ressentida, que só sabe criticar", diz Cristiane Costa, uma das curadoras, junto com Valeria Lamego." (grifo meu)

Parece aqueles "debates" sobre o neoliberalismo e o FMI que tinha na minha faculdade. , pensa o calouro ingênuo, examinando o cartaz, mas só tem gente de esquerda...
Nesse preciso momento, os calouros perdiam a inocência e começavam a procurar estágio em produtora. Era até bonito de se ver.

1.6.08

Teaser

Mas esse fim-de-semana, além de ficar na vagabundagem, trabalhei. Frio me inspira, deixa a mente alerta para aqueles retoquinhos finais, as decisões difíceis. Imprimi o Conto Japonês: Mousmé, dei uns últimos retoques, passei para o computador e mandei o arquivo pro editor. O conto está definitivamente pronto, eu diria pode mandar para as calandras se calandras ainda houvesse. Agora restam outros 15 contos pra selecionar, trabalhar e aguar até o Amostragem complexa estar pronto. Mas fiquem com um trechinho inédito deste primeiro a sair do forno:

- Por que esta cara? Não entendo essa sua cara!
Este senhor não é o meu professor de biologia, é o de outra turma. Ele dá a aula de reforço oferecida pelo próprio colégio. Está me passando um sermão cujo objeto todos, inclusive ele, estão sentindo dificuldade em determinar.
- Eu não presto atenção, professor?
- Você presta atenção! Não é isso! É que... Eu só queria saber o que... porque a senhorita trata a minha aula com esse... É um, um desdém! Uma... nonchalance!
Parabéns, você acaba de usar “nonchalance” numa sala de aula no ano 2000. Por minha causa.


(...)

Você lê história e alguns livros e já sabe como fazer tudo certo. Não cair na lábia de canalhas com Anna Karenina, não emprestar nem tomar emprestado com Shakespeare, não ser totalitário com Orwell e assim por diante. Só que iluminismo não adianta se todos correm de volta pro escuro.
Você sabe as coisas sem ter, ao menos uma vez, pensado que sabia. Você não consegue nem começar a pensar em se entregar à doce burrice. Lucidez férrea é puro horror.


(...)

Dia seguinte, mesma hora e lugar, um dedo lhe inseriu um bilhete suado na concha da mão. Soltava pelicos de papel e era escrito a lápis.
Compareceu. Foi ao encontro marcado.
- Eu te fiz um poema.
Esta porção de palavras era a que ela mais temia ouvir na vida. Quer dizer, temia com expectativa, porque era inevitável, alguma hora, alguém... eu-te-fiz-um-poema. Esse tipo de disparo. Mas será que ia ser ruim? Quanto ruim?
- Por quê?
- Leia o poema que você vai saber.
Para quem ruim?
- Você tem certeza que quer me mostrar isso?
William prendeu a respiração. “Tenho”.


O que eu mais tenho orgulho nesse conto é que as cenas não se esgotam numa frasezinha esperta (como às vezes em No shopping), mas dão o máximo de si até se encadearem bem na próxima. Todas essas cenas acima têm sua conclusão, que ocultei porque afinal isso é um teaser. Are you teased?
Remake

Agora, com o jogo instalado, é que descobri que Tomb Raider: Anniversary é remakão. Comemora dez anos do primeiro. Tem a Natla, Vilcabamba, o labirinto de cerca-viva, tudo de novo. Afora o fato de eu me sentir meio tapeada, dá para perceber que o pessoal da Eidos chegou à mesma conclusão que eu: a história da Lara tá mais que zoneada, seria melhor recomeçar do zero. Essa coisa que tantas editoras de HQ de super-heróis vivem fazendo... Aliás, hoje em dia, HQ de super-herói não passa de uma novela que a direção mandou esticar... por cinqüenta anos! Não é surpresa nenhuma os heróis andarem tão cheios de "barriga"... e passarem tão freqüentemente pela mesa de cirurgia, na forma de Crises (Crises com C maiúsculo).
É por essas e outras que vivemos na era do mangá. Mangá termina. Pode até ser longo, pode até ter OVA (especial) produzido depois, mas uma hora termina. Os fãs podem se consolar comprando os bonequinhos, o anime, o videogame, o filme com atores, whatever.