13.12.04

Fui ver Os Incríveis no sábado. O filme, vou pular, adorei, certo, e se você não viu, talvez queira deixar pra ler este post depois. Vou falar de depois do filme. Estava na cara que grande parte das pessoas saía do cinema se identificando com a especialidade dos heróis, ah, sim, todos pensando contra a mediocridade uniformizante, todos eles orgulhosos pela própria singularidade, que sentimento gostoso de se perder, e saber que todos se sentem assim também, igualzinho a mim, que ótimo esse filme, hein?
Iupii. Lá vou eu desconstruir a alegria das pessoas:

1. O plano do vilão: criar para si uma especialidade falsa que pretende vender a todo mundo - e, como ele mesmo diz, Se todo mundo é especial, então ninguém é especial. O vilão tem certeza absoluta, inquestionável, de que é especial (Bush). Para ele, seus atos são todos justificáveis porque ele é especial (übermensch, anyone?). A família de heróis sente vontade de ajudar, não é questão de auto-promoção, como no caso do vilão, mas se eles se destacam tanto, e há o que enfrentar, é ridículo obrigá-los a nivelar por baixo.
2. Ouvi dizer que a comunidade do Orkut "Eu sou exceção" conta com mais de 20 000 membros.
3. Anúncios do Itaú ("Feito para você") para todos os que se chamam João etc.
4. O capítulo nove do A louca da casa, Rosa Montero.
5. Alanis Morissette se considera especial. Britney Spears, Paulo Coelho e FHC também.

As pessoas que se acham especiais costumam choramingar muito. Muito biquinho também. O mundo não lhes dá o devido valor. Choramingam nas músicas, seja gemendo mesmo ou arreganhando bocas e caras, e nos jornais, dizendo que os críticos não o compreendem, são preconceituosos e ressentidos, e o reconhecimento daquele cara mais reconhecido que eles não é justo, todo mundo sabe que ele só me imita!
Não digo que não sejam especiais, quem sou eu, mas digo com toda a certeza que os atos de auto-celebração/piedade são todos bem ridículos. Disso nenhuma especialidade transparece, muito pelo contrário.

Especial já perdeu todo o seu valor como rótulo positivo. Hoje, se ouço isso, rio. Especial deveria ser uma coisa muda e generosa, aplicável aos outros em silêncio, e não a si mesmo e em altos brados. Tó gente especial: a que fez Os Incríveis, pelo menos uma parte da equipe deve ser.

Falo com conhecimento de causa. A especialidade é um sentimento adolescente e decadente. Já me achei superfantástica, especial demais etc. até compreender de verdade a lição de outro grande filme, Clube da Luta:

You are not a beautiful and unique snowflake
You are the same decaying organic matter as everything else
We are all part of the same compost heap
We are the all singing, all dancing, crap of the world


Não é bonito. É feiíssimo. Eu sabia fazer muitas coisas melhor que muita gente, mas outras pessoas sabiam fazer muito melhor que eu coisas que eu não sabia, como cozinhar e fazer contas, e isso desmentia minha especialidade. Desmentia porque era falsa, como é falsa a idéia cristãzinha-esquerdinha de que todos são iguais. Nem uma coisa, nem outra. São variáveis: talento, esforço e sorte, ou chame e subdivida como quiser, e monte a sua equação se souber fazer tal coisa. It doesn't get any better than this.