7.11.04

Simpáticos robôs

Ouço agora as MP3s do Kraftwerk na ordem do show. Foi um dos melhores shows da minha vida, junto com o Leftfield e o Orbital.
O Prodigy foi uma loucura, eu tinha 15 anos e dancei tanto, mas tanto, tanto, com tanta violência e selvageria, que meus cabelos chegaram secos e saíram encharcados até a ponta de suor, que no contato com a noite gelou minhas costas. Graças que eu tinha levado um casaco. Idem os Chemical Brothers.
O Prodigy são 'punks eletrônicos', talvez eu realmente, aos 15 anos, tenha curtido eles da maneira mais indicada. Mas... eu ainda não entendia o que estava vendo. Foi importante ter visto Leftfield e Orbital mais velha - e visto mais de perto.
O táxi da ida perguntou o que estava tendo no Armazém 5 hoje, ao que eu respondi um grupo alemão, Kraftwerk. Foi então que começou a tocar É o Tchan! do Gerasamba e ele, empolgadíssimo, cantou junto até acabar a corrida.
O que aconteceu depois disso não sei bem. Começou com a música que eu fiquei imitando com a boca a semana inteira: Men machine. E tome, including but not limited to, Neon Lights, Tour de France, Autobahn, Radioactivity, The Model, Trans-Europe Express, Numbers, um mix de Computer World/It´s more fun to compute/Home computer, The Robots, Boing Boom Tschak, Music Non-Stop. Tem aquela loja de informática com o nome trash de Simpáticos Robôs, isso bem passou pela minha cabeça: os homens-máquina estão mais simpáticos. Um até balançava o pezinho. Foi um show integrando som, imagem, figurino e iluminação perfeitamente, diria eu racionalmente. Mas não sei o que foi que me fez ficar sorrindo radiante o tempo todo, cantando, fazendo barulhinhos com a boca, seqüências num teclado imaginário, eu estava extasiada, tinha pago pra ver e estava vendo! Bem de perto!
Vi durante mais de duas horas, acreditem, a duração perfeita. E depois, com o espaço fornecido pela debandada, como Julieta na sacada, apoiei os bracinhos cruzados na grade com cara de ai-ai estou tão satisfeita.
Foi então que os roadies empurraram um caixão preto até a frente do palco. Meu primeiro pensamento, apenas como amostra do meu estado de espírito, foi eles (o Kraftwerk) vão sair dali de dentro, mesmo não fazendo nenhum sentido. Descobriram a parte de cima: equipamento de DJ. Aquilo me fez uma ruga intrigada, humm, só falta ser o...? Ah, não, seria muita sorte. (A mania, às vezes saudável, de baixar expectativas infundadas para evitar decepções. Sabe como é.). Pouco depois chega aquele com cara de DJ, sério e concentrado, mas como quase todos os DJs usam óculos de armação pretinha, camisas com logotipos cool e são magrelos e branquelos (exceto pelos DJs negros, que não dependem do sol), achei que meus olhos míopes, ou meu falhíssimo sistema de reconhecimento facial, poderiam estar me enganando: parecia mesmo o... Sim, o DJ com um som inconfundível, preferido meu e do Pablo, o qual chegamos a pagar 20 reais para ver uma vez! Não precisei esperar o som inconfundível começar, porque logo um moleque ainda com espinhas na cara anunciou igual locutor de rádio farofa: DJ Maurício Lopes. (Recuso-me a repetir a frase exata, tenho princípios e vergonha na cara).
E então começou o som inconfundível e outro sorriso interminável de uma noite inesquecível. E vejam, eu estava sozinha! E como eu dançava, como se fosse uma proibida rave no cais do porto, era uma permitida, vejam só! Eu dançava como se fosse um milagre, porque era.
No táxi da volta, tive o insight de colocar o livro todo no presente, roubada, confesso, da experiência de ter lido "Noite" do Érico Verissimo. O livro que estou escrevendo há quatro anos, pois é. A feia noite. Sabe como é, o presente é, não se explica antes nem durante, só, talvez, depois, e eu não teria que explicar as coisas num livro em que as pessoas são movidas pela confusão interna. E, no fundo, é isso que está dificultando a conclusão dele: ter que explicar algo que nem os personagens sabem porquê. (E eu sei que eles não sabem, o que me salva de ser uma idiota literária completa. É preciso reconhecer a ignorância antes de se começar a aprender.).
A noite é eterna, ela sempre está escura, ela sempre vai e sempre volta - o dia também, é claro, mas o dia é claro... isso faz toda a diferença, porque nele se enxerga o tempo passar. De noite não, dá pra disfarçar. A noite facilita o auto-engano e paradoxalmente o auto-conhecimento.