3.6.04

"Evitem a fala do povo, que vocês nem sabem onde mora e como. Não reportem povo, que ele fede."
O trecho todo é muito bom e está no blog da Cecília Giannetti. Me inspirou a publicar um troço aqui que eu tinha escrito há alguns dias em outro lugar:

Você, rico, quer saber como vive a classe D?

O edredom de solteiro da Família Dinossauros formou bolinhas e ficou fino como um lençol, mas isso já faz uns cinco anos. A toalha já não era felpuda na época da compra, hoje parece uma lixa e desprende tantos fios. As garrafas de tubaína, lavadas, servem para guardar água na Cônsul do seu quitinete. O armário sempre cai a porta, mas pensando bem, praquê porta? Móveis das Casas Bahia são assim mesmo. Roupas da Mesbla resistem bravamente, lavadas com não-Omo: a moça do jornal falando em "moda da estação" causa sorriso. Antenas em V. Sandálias que se rompem na chuva. Baluartes da resistência à obsolescência programada, e ainda a rápida, a dos produtos de terceira classe.

Minha mãe rasgaria as próprias roupas da Krishna se soubesse... Compraria toalhas novas, móveis novos, roupas novas, e jogaria tudo o que tenho no lixo, com um prazer selvagem...

Eu não, eu moro onde os ovos fazem aniversário e grudam na geladeira, onde os fios correm pelas paredes e a poeira não entra por medo de se sujar. Móveis reciclados, área de risco, classe média empobrecida, diarista relapsa, cobertor de mendigo. Bagunça, ziquizira. E não me importo. O luxo não me diz nada.

Um dos motivos. Deu um puta trabalho escrever o livro, não pensem que escritor bom é sempre bom porque tem o dom, como um Cavaleiro do Zodíaco. As exigências sanitárias absurdas da boa literatura impedem que eu descanse em paz, estou sempre tesa, alerta, arisca aos sinais da selva, senão não sobrevivo, e assim seleciono as laranjas mais perfeitas, redondinhas, lisinhas, laranjinhas, e mais exigente fico. Ser pobre é bom para a literatura.