1.1.05

Senhora Sensível

Às 17:59 estava sentada na mulher covarde e a luz diminuía. Depois de ter ligado o Word em branco e pensado exatamente aí: preciso resolver este livro agora. Não espero bater 18:00, deito na cama para me dedicar exclusivamente a pensar, e um telefone ao longe toca até parar, começa de novo, pára, recomeça, pára, - agora ele desiste - recomeça, - ela não está em casa, porra! - pára, recomeça. Mudo de lugar. Vou para o extremo oposto de onde não se ouve o grito do telefone. No exato momento em que deito na coisa desajeitada e feia, mãos cruzadas no colo, o rádio do porteiro é ligado num volume razoavelmente incômodo. Volto para a cama - parou o telefone, embora o barulho de motor de geladeira da bomba d'água e o do compactador de lixo continuem. Planto uma bananeira. Destrincho ele todo, o livro, a feia noite, desde a parte em que falta luz, as ações de Maria Luiza, o final que podia ser mudado, o final que não podia ser mudado. Começa a brotar uma idéia. Os ruídos começam a desaparecer, penso que é o mundo ficando longe. E um insight. E outro. (Ao longe uma mulher solta um muxoxo de decepção). É, vou escrever.
Aperto o botão da luz e a luz não acende. Aperto de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo, de novo e de novo e a luz não acende. Então me dou conta do preço daquele silêncio. Daquela inspiração. O bairro está sem luz. Enquanto me dirijo para as velas e o fósforo. Descubro que não sei colar vela em vidro. Escrevo sob uma luz bamba. Num caderno verde da Imprimo. E lembro de ligar a campainha do telefone com-fio. Senão ninguém pode me participar nada. Pensando bem, é melhor ligar para alguém. Aí na Tijuca está sem luz? Sim. Volto e escrevo mais. Faço uma página sob a vela. O telefone toca. Até São Gonçalo está sem luz. Volto. Reajeito a mesa de estudo. A vela desmaia e pinga na mesa e na borda do caderno. Problemas antigos demais pra eu saber resolver. Pingo (uma, duas, três vezes) e reencaixo a vela - nada. Pingo quatro vezes, nada - de novo. Mas a terceira é que conta, olho satisfeita para a vela em pé. Um estalo do motor da geladeira. Uma mulher ao longe diz: êêêêê. Sopro a vela. São 19:10. E até o Espírito Santo, ô deus, esteve sem luz.