19.2.05

Como posso viver bem num país onde a paquera é simplesmente baseada na intimidação?
Pois os olhares com a famosa cara de porteiro, o sorriso desgrenhado e os olhinhos apertados, que não são só os porteiros que fazem, e nem todos os porteiros que fazem; os murmúrios, os barulhos com a boca quando a gente se aproxima (os que simulam uma sugada, ou os ritmados); os que cantarolam pagodes; os gritadores de obscenidades e supostos elogios; os agitadores de chaves; os que te seguem na rua; os taxistas que páram o carro quando você está tentando atravessar a rua; os bolinadores de bonde (histórias de minha avó) e de ônibus barra metrô, que sentam do teu lado no ônibus vazio; os convencidos bonitões que usam a pressão de grupo das meninas para ficar com todo o tal grupo das meninas; até os pitboys que puxam o cabelo delas e chegam em grupo, sim, eles só fazem cumprir a tradição, o samba de uma nota só, onde outras notas até entram, mas a base é uma só.
(E existem, até mesmo, aqueles que compõem uma música internacionalmente famosa para uma menina que passa todo dia de biquíni pelo lugar sem dar a mínima para ele e seu grupo de bêbados.)
(Dona Florinda ecoa: BÊBADO!)

Algumas moças acham que há alguma coisa de extremamente errado com elas se passam na frente de uma construção, com um short de lycra especialmente escolhido, e não acontece nada. Outras entendem que o problema é com elas: será que se eu mudar de roupa, colocar algo mais "apropriado"... eles vão me deixar em paz?
Acredite, nem colocando burka você consegue vedar o poder da mulher. Ele não está na roupa que você usa, nem no que te dizem por causa dela. Quanto mais cobertas mais misteriosas; quanto menos cobertas, mais usáveis e descartáveis. Sempre há uma desculpa.
Duvido que alguém realmente acredite que gritar "gostosa" na cara de uma mulher na rua é elogio. Certo - algum homem pode até achar que, "se a mulher não me viu, é porque está distraída - imagina se ela ia passar incólume por um espécime de macho feito eu...!" E fazer a coisa pra chamar a atenção dela. Mas o caso não é esse. É assim: ele sabe que provavelmente está sendo ignorado, mas como o homem tem que mandar, ele se arroga o direito de chamar as stuck-up bitches à ordem, até porque a culpa é delas, por provocarem desejo nele e não satisfazê-lo. Além disso, por pior que seja a mulher, fisicamente ou no allure, o cara também tem que - precisa - provar que é macho. Especialmente se tem outros por perto, pra depois trocarem ridículos olhares de cumplicidade.
Ou seja, é vingança e reestabelecimento de papéis. Se a mulher pudesse ser mesmo uma igual... bem, o que você faz quando quer obter alguma coisa de um igual? Pede por favor, certo? Com educação? Pois é. E não, não estou me referindo a "quer, por favor, me passar a sua boceta?".
Se um homem quisesse elogiar, digamos, a gravata do outro (supondo, é claro, que se tratasse de uma criatura não machista nesse aspecto), aproximaria-se com todo o cuidado, mas todo o cuidado mesmo, e perguntaria, sei lá, onde ele arranjou aquela gravata original, com uma expressão bem humilde, pra não passar por zoação. Ele jamais soltaria um "Bonita gravata, Fernandinho", a não ser que quisesse correr o risco de apanhar.
Não é que eu queira acabar com a paquera. Queria que virasse uma paquera melhor, caramba (leia abaixo...).
Aos homens, gostaria de dizer que as mulheres caem porque querem. Elas ficam apesar disso, não por causa disso. Não porque fiquem intimidadas (as que ficam, fogem correndo ou todas duras, tensas). Não por habilidade sua. As que realmente acreditam na validade da paquera intimidatória estão entrando lentamente em extinção. Outras vêem um certo encanto nesse comportamento. Tão bobos! Tão simples - como cachorros! E desfrutam da facilidade. Outras têm peninha; se submetem à mediocridade da corte para pegar carinhas fofos, e só. Sei também de mulheres que fazem um tipo difícil, mas medem seu valor pelo tamanho do ridículo em que os homens caem nesse tipo de comportamento, ou pela freqüência com que ele ocorre, mesmo fingindo odiar.
Já passei por quase todas essas fases, e hoje me sinto constrangida por toda a humanidade cada vez que isso acontece. Puta que o pariu. Não quero me medir e muito menos ficar com um cachorro no cio, uma coisa patética e nojenta, um brinquedinho manipulável. Booooring. Os homens são lineares, claro, eu sei. Don't mean charming princes, but charming challenges. Mas foda-se. Já achei o chanel do fim-de-feira; quanto às outras... surviving.