Depois de ter conhecido a menina que fez cinema e que não vai a cinema, e depois de ter dito pra ela que eu entendia, que sabia que ela fez cinema sem gostar de cinema porque queria um melhor cinema, e depois de ter recebido um olhar admirado e um aperto de mão, entendi, afinal de contas, porque fiz jornalismo.
Outro dia estava almoçando e a TV estava parada na Globo, no mais abjeto telejornal, felizmente sem som. Mas é tão feijão-com-arroz, que o texto parecia estar sendo narrado na minha cabeça, à medida em que surgiam as imagens: bandeiras jamaicanas com a cara do Bob Marley, um estereótipo (de gorro tricolor de crochê, blusa - adivinhe - com a cara do Bob Marley; "você pode se produzir um pouco para a reportagem? coloca umas roupas legais...") e no final, uma fusão entre a cara do Bob Marley e uma multidão dançando reggae, se não me engano, nas areias do Rio. E eu só pensando quando é que iam falar de maconha. Até pode ser um preconceito meu (e de muitos). E se for um preconceito, por que não desmistificá-lo? Óbvio que nem tocaram no assunto. Um telejornal para donas-de-casa não pode fazê-las queimar o almoço assim.
Deviam era meter um Repórter Vesgo no meio da coisa toda: é verdade que o pessoal de reggae é a favor da legalização da maconha? E a resposta (ou "reação") do cara. Pronto. Bastava. Mas, exceto quando o vilão é explícito - bandidos, seqüestradores, corruptos -, a Globo faz um jornalismo "amigo", criança-esperança. O que é enervante e perverso.
Mas aí, as pessoas começariam a fugir, ao invés de procurar, a Tv querida - não só entrevistados como telespectadores. Daria muito trabalho caçar não só os telespectadores - ei! aqui! escute algo de útil! juro que falo um pouco do bebê coala e do noivado da Gisele Bündchen! - como os entrevistáveis. Claro que a graça (ou o "objetivo") do jornalismo não está em ser incômodo. Senão Gil Gomes seria um gênio, e Gugu, um verdadeiro mestre. A graça está em ser perspicaz, em iluminar pontos escuros da sarjeta e do poder - isso é o que incomoda, como conseqüência e não como objetivo. Alguns entrevistáveis inteligentes, hoje considerados "difíceis" ou "reclusos", se encontrariam com estes jornalistas hipotéticos pelo desafio de sair vivo, como que para jogar xadrez. Ou seja, seria uma escassez absoluta de entrevistáveis.
Mas a TV quer ser sua miguxinha, sua companheira de todas as horas, e não pode se dar ao luxo de ficar escolhendo conteúdo. Vai ao ar qualquer merda sobre o segundo excluído da terceira edição do BBB. Quando vejo o jornal da Band acho meio desengonçado, idem o da Record, mas numa hora dessas, dane-se a técnica.