16.7.08

Acontece tanta coisa horrível nessas Crônicas Marcianas. Às vezes parece Alice no País das Maravilhas, mas sem a fofura. Me fez pensar porque as pessoas escrevem ficção científica. Claro, há aqueles que acreditam estar dando um alerta minucioso e humanizado para um medo que, em sua cabeça, muita gente também tem - e pretendem quebrar o orgulho do homem, fazê-lo evitar aquilo. Outros, como o PKD, estão tentando dar uma forma artística à sua maluquice. Outros, como Júlio Verne, estão confessando sua fé na técnica e no fato de que podemos chegar lá. E assim por diante.
Mas o simples fato de humanos produzirem coisas como ficção científica desse nível (arte) já é uma profissão de fé na humanidade. Se o Ray Bradbury não acreditasse em humanos - nos que lerão aquilo e não tomarão como advertência, mas como ficção mesmo - não teria escrito Crônicas Marcianas.
Quando eu era criança achava que cada scifi expressava um medo diferente do futuro; então só queria ler as que correspondessem aos meus medos, para me preparar (eu também queria dominar o mundo). Hoje vejo que você não precisa tratar scifi como advertência, e nem concordar com o autor para compartilhar da visão dele, porque às vezes nem ele tem uma visão só, fechada; é um recurso artístico, um artifício literário para expressar uma visão interna. E não uma visão do presente, ou do futuro, nem de nada.
E vou contar um segredo. Às vezes nem o próprio autor concorda com o que está expresso ali. A história simplesmente o levou para aquele canto. Acho isso fantástico. Não sei se por ser um grande ato de desprendimento, por ser uma loucura (do tipo extremamente humano), ou ainda por outro motivo que não sei pôr em palavras. Não sei.

(E o mesmo vale para toda a boa literatura não scifi, claro.)